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1 de mar. de 2012

Vendo (do verbo vender) vozes! E você, compra?

Dia desses estou num aeroporto brasileiro e me reencontro com uma amiga de outras viagens. Aliás, de outras passagens pelo mesmo aeroporto. Eu conheci essa amiga ano passado, no aeroporto: estava eu lendo, esperando minha hora de embarcar, quando ela passou por ali, entregando a todos que aguardavam naquela sala um papelzinho, junto com um chaveirinho alusivo ao Brasil. SOU SURDO (A) SE PUDER ME AJUDAR COMPRE ESSA LEMBRANÇA. R$ 2,00. DEUS O ABENÇÕE. Ahá! Procedeu-se o seguinte diálogo, em Libras, entre eu e ela:

Eu: - Oi, vc é surda?
Ela: - Sim (com cara de surpresa). Oi, vc sabe Libras...
Eu: - Sim...
Ela: - Espera um pouco q já volto... tenho que recolher os outros chaveiros...

Dali um pouco ela voltou. Perguntou-me se eu já tinha almoçado e me convidou para almoçar junto com outros dois (2) outros colegas seus, que também "trabalham" no mesmo aeroporto. Resumo da história: em uma tarde conheci 3 surdos que ganham a vida em cima de sua surdez, num grande aeroporto brasileiro. E mais, eles não ficam com o $$$ da venda dos souvenirs; pelo contrário, são gerenciados por alguém e recebem salário fixo!!! "Aqui é melhor", disse um deles, "aqui a gente não pega chuva, tem ar condicionado... outros tem que trabalhar na rua, em ônibus apertados, nas sinaleiras...".

Geeeente, só esse episódio, sumariamente detalhado, rende um bom de um debate, não?

  1. Eles não tem autorização legal e expressa do aeroporto para venderem ali.
  2. Me contaram que quando são descobertos, algumas vezes, até apanham dos seguranças (mas só dos de boné preto, dos outros não). Parêntesis: Uma das surdas é razoavelmente oralizada, e qdo estava no almoço com eles, um segurança amigo deles pediu pra eu perguntar para ela porque que quando eles pegam ela, ela começa a falar! Ou seja, os caras pensam que é gente se fazendo de surdo!
  3. Usam o argumento da surdez para venderem o souvenir (e ainda por cima super faturado, né? Um chaveirinho desses não deve custar mais de R$0,50 nas lojinhas por aí...). O discurso por trás do bilhetinho é: "Tenha pena de mim, sou surdo, coitadinho, compre e me ajude!".
  4. E complementam com a frase DEUS TE ABENÇÕE. Fala sério, né? A bênção de Deus não tem muito a ver com ajudar ou não ao pobrezinho do surdo, concordam? (Eu de verdade creio em Deus, no seu amor, e nas suas bênçãos sem medidas sobre os que creem no seu Nome, ok? O que quero dizer aqui é que Deus não vai te abençoar pq vc pagou R$2,00. Deus não faz negócio ou barganha com a gente. Ele é Deus, e nos ama incondicionalmente! Deus não depende da tua contribuição para te abençoar. Claro que ele nos ensina a praticarmos as boas obras (veja na Bíblia, em Efésios 2:10), como atitude de quem é grato pela graça e misericórdia dele, e não, repito, como troca/negócio/barganha com Ele! E, outra, será que incentivar eles a continuarem nessa condição, comprando o chaveirinho, seria uma boa obra mesmo? É como dar esmola na sinaleira/semáforo: quanto mais vc der, mais o cara/criança vai continuar ali pedindo, e nunca a vida dele vai mudar!).
Ok, Laura, mas esse episódio aconteceu uma vez na tua vida, coisa rara, vai ver que eles nem tão mais lá...NANANINANÃO, minha gente! Então que "no dia desses" em que reencontrei essa minha amiga, conversamos rapidinho, ela pediu licença pois tinha que ir trabalhar. Comentou que eu estava diferente (fazia alguns meses que eu tinha passado por lá), e comparou com uma foto nossa que tinha em seu celular (sim, gente, eu tirei foto com eles. Eles gostaram de mim, fazer o quê? Haha! Uma coisa é o que eles fazem com suas vozes - vendem-nas! - consciente, ou inconscientemente, e outra coisa é a pessoa deles... acho que são coisas diferentes, ok?).


Tá, mas por falar em celular, o meu que não tem o recurso fotográfico, teria sido muitíssimo útil se o tivesse. Nesse mesmo "dia desses", eis que algumas horas após me despedir da minha amiga, estava eu lá, sentada de novo, lendo uma revista, quando uma outra mulher se aproxima, e larga um papel em cima da minha revista. Ei!? Eu pego, olho pra ela e pergunto: O que que é isso? (referindo-me ao papel). Ela não falou nada, e empurrou o papel na minha direção novamente. OLÁ MEU NOME É FULANA. SOU DEFICIENTE AUDITIVA E PRECISO DE 1 APARELHO AUDITIVO NO VALOR DE R$ 1.500,00 (HUM MIL E QUINHENTOS REAIS). POR FAVOR, ME AJUDE COM R$10,00 OU R$5,00. Em baixo da mensagem em letras garrafais estava assinado: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS SURDOS. Daí tinha uma lista em que vc, que contribuisse, assinava seu nome e o valor. Naquela listinha a mulher já tinha mais de 50 pila. E tinha várias listinhas circulando ali naquela sala. Sei lá por quê, mas me deu uma raiva daquila situação! Dessa vez não fui simpática, não puxei papo, não tirei foto, e até achei que nem surda a mulher fosse! "Que absurdo!", pensei, "nem existe essa tal de associação...". Quando ela voltou para pegar de volta o "papelgranda" caridade, eu olhei bem pra ela e sinalizei: "CONSEGUE APARELHO GRÁTIS". Ela não fez nada, e eu insisti: "SABE LIBRAS???". Daí ela fez um "sei" sinalizado "marromenos", pegou o papel e se mandou dali.

Mas bah, tchê! Quanto surdo explorando (e sendo explorado) nesse aeroporto! Repito: nada contra os surdos em si. Tudo contra a máfia que os gerencia e abusa de sua condição. E que segue manutenindo a imagem do surdo incapaz, coitadinho, descapitalizado social e culturalmente. Como alguém que merece nossa pena e ações caritativas.

E a vida segue, a luta continua, a "voz" do aeroporto orienta a não darem esmolas a pedintes, e eu embarco no meu avião, me questionando se um dia esse país vai decolar de vez.

Laura - a colaboradora (às vezes meio inconformada com as coisas!)