Mostrando postagens com marcador Antônio Campos de Abreu. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Antônio Campos de Abreu. Mostrar todas as postagens

27 de out. de 2008

Entrevista exclusiva: Antônio Campos de Abreu



Olá Pessoal!
Temos a honra de divulgar uma entrevista que realizamos com Antônio Campos de Abreu, mais um exemplo de luta para todos nós, surdos e ouvintes!


Antônio Campos de Abreu é mineiro, Assistente Administrativo da USIMINAS e formado em História pela UNIVERSO em 2007. Casado com Rita de Cássia é pai de três filhos, e é atuante na FENEIS e Associações de Surdos.


Pergunta 1: O que causou a sua surdez?
Antônio: Eu nasci surdo profundo. Minha surdez é devido à genética de meus pais que eram primos. Temos vários casos de surdez na família.

Pergunta 2: Como foi sua descoberta sobre a surdez e o primeiro contato com a Língua de Sinais?
Antônio: Na minha família minha irmã nasceu surda, meu avô, etc. Então quando nasci minha mãe tinha dúvida se eu seria surdo ou não. Minha mãe tem um primo médico Dr. Amador Álvares, que me examinou em seu consultório e constatou minha surdez. Ele acendia e apagava a luz e meu reflexo era totalmente visual. Minha família já sabia sobre a língua natural dos surdos, pois meu primo Ernani Álvares Silva e Abreu é surdo e estudou no INES, no Rio de Janeiro. Comunicávamos através da língua natural e sinalizada.

Pergunta 3: Você estudou em escolas especiais para surdos e depois, na Universidade, no sistema de inclusão. Pela sua experiência, quais foram as vantagens e desvantagens dessas duas modalidades de ensino (Especial e Inclusão)?
Antônio: Eu tinha 11 anos - 1967 a 1973 quando comecei a estudar no INES, Rio de Janeiro. Quando retornei a Belo Horizonte eu estudei num colégio São Vicente onde tinha único surdo e ouvinte no Ensino Médio. Parei por um tempo os estudos e quando retornei fiz supletivo com a presença de intérprete e terminei o Ensino Fundamental.
Com o tempo vi a necessidade de continuar os estudos e fui aprovado no vestibular na Universidade Salgado de Oliveira - UNIVERSO para o curso de História. Na faculdade tinha a presença de intérprete onde a comunicação era importante. Havia troca de informações, experiências, etc. Antes, a escola comum não tinha intérprete e/ou professores que sabiam Língua de Sinais e conseqüentemente a comunicação entre aluno surdo e professor era muito difícil. Tive que lutar arduamente no passado para chegar onde cheguei. Hoje, é mais fácil em relação ao passado. A tecnologia tem nos beneficiado muito. A educação dos surdos, por causa da comunicação, era muito difícil antigamente.

Pergunta 4: O que o motivou a cursar História?
Antônio: Escolhi o curso de História por causa da história dos surdos e sua luta através das associações de surdos e movimento dos surdos. No curso tive a oportunidade de comparar os diversos contextos na História dos surdos e ouvintes. Muita coisa é parecida. Infelizmente muitos documentos da história dos surdos foram perdidos, mas ainda encontramos documentos em preservação contando a trajetória da comunidade surda. Quando visitei a Universidade de Gallaudet, nos EUA, pude ver os registros e documentação da história dos surdos e fiquei muito interessado. Retornando ao Brasil busquei mais informações da história dos surdos no Instituto Nacional de Educação de Surdos em Rio - INES, e encontrei vários registros antigos de surdos, história, lutas, conquistas, etc. Meu sonho é trabalhar no INES, mas moro em Belo Horizonte...

Pergunta 5: Que dificuldades você sofreu na Universidade ou no mercado de trabalho? Sofreu preconceito por ser surdo?
Antônio: Não tive problemas, apenas os professores ficavam apavorados e surpresos com um surdo na sala de aula da faculdade UNIVERSO! Mas com o tempo todos se acostumaram e os professores sempre me respeitaram como pessoa, como surdo e não tive problemas. Apesar da minha experiência, sinto por outros surdos que têm dificuldade e não é respeitado. Isso depende da faculdade também... Quanto ao mercado de trabalho, estou a 30 anos trabalhando na USIMINAS. Não tive problemas de relacionamento ou comunicação. Acredito que o principal é a qualidade da empresa e sua integração com os funcionários. Minha auto-estima é boa e sinto-me seguro na interação com os colegas de trabalho. No geral, resumo que a sociedade precisa conhecer a cultura surda e perceber que o surdo é capaz sim de estudar, trabalhar e participar ativamente da comunidade onde está inserido.

Pergunta 6: O que você aconselha para surdos que estejam com dificuldades de ingressarem no mercado de trabalho ou em uma universidade?
Antônio: Aconselho a observar o exemplo dos surdos que são líderes e diretores de instituições e organizações. O INES, por exemplo, tem professores e inspetores que são surdos. O Monsenhor Vicente, juntamente com a Associação dos Surdos ensinaram-me que o surdo é capaz e pode exercer diversas funções no mercado de trabalho. Assim fui para os Estados Unidos na Universidade Gallaudet, fazer um curso de capacitação de liderança, onde encontrei o Dr. Yerher Andresson, sociólogo, que ensinou-me sobre a importância da organização e explicou-me o sentido da palavra “PODER SURDOS”
“SE SURDOS “. Aprendi a importância da Associação dos Surdos e da Federação dos Surdos, como meio de influenciar a comunidade surda, trazendo a consciência do surdo como pessoa que estuda e trabalha e como cidadão, buscando seus direitos e melhoria de vida. A primeira faculdade a abraçar a causa da comunidade surda na educação foi no Sul, em Porto Alegre através da ULBRA e da Escola Concórdia. Tive a oportunidade de visitá-la e participar de palestra que ensinava que os surdos precisavam se organizar e fazer movimento dos surdos. Pensando na melhoria de vida para os surdos, fundei a FENEIS – Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos. A FENEIS faz convênios com empresas e organizações e a sua primeira parceria foi com a DATAPREV. Para uma boa comunicação no ambiente de trabalho, os surdos precisavam de intérprete e assim caminhamos até que o Governo Federal através da CONADE ,CORDE e MEC/SEESP tiveram abertura para defender a causa dos surdos. Nossa luta no início não foi fácil. Os surdos tiveram que lutar por leis e decretos que dão acessibilidade. A FENEIS é uma peça fundamental nestas conquistas, pois foi pioneira no mercado de trabalho para surdos. Hoje vemos os frutos, mas ainda não terminou: lutamos ainda pelos direitos profissionais dos surdos, pela falta de orientação da família que tem surdos, etc. Muitos surdos aprenderam sobre educação, política, história, perspectiva de vida, dentro das associações e na FENEIS, onde os líderes surdos ensinam e orientam vários surdos através de palestras e reuniões.

Pergunta 7: Na sua opinião, o que falta para que mais surdos cursem o ensino superior?
Antônio: Esse é o nosso objetivo! Muitas faculdades ainda não estão preparadas ou não querem aceitar os surdos. Temos o exemplo da UFSC que está extraordinariamente levando os surdos à Pós-Graduação e até o Doutorado. Temos poucas faculdades que se interessam. O Brasil precisa pensar na acessibilidade dos surdos e fazer valer as leis. Nosso objetivo é que os surdos tenham a oportunidade de chegarem ao curso superior através de Universidade Federal.

Pergunta 8: No curso de História, você pode estudar mais sobre a história da Surdez e dos Surdos? Sua visão sobre isso mudou depois da faculdade?
Antônio: Antes da faculdade eu tinha muitos materiais e documentos sobre os Surdos e não sabia como fazer para preservar este “patrimônio”. Quando comecei a estudar História comecei a entender e a fazer comparação entre o passado da nossa história e o passado da história dos surdos. Percebi que assim como a política era influenciada no passado pela religião, também os surdos eram influenciados a não utilizarem as mãos, por causa do incentivo da fala, da tradição. Comecei a comparar fatos e a percebê-los em seus respectivos contextos. A faculdade foi muito importante pra mim, pois abriu um leque de informações sobre diversos fatores que influenciam uma sociedade, entre elas, a sociedade surda.

Pergunta 9: Você fez trabalho de conclusão de curso (ou monografia)? Sobre qual tema?
Antônio: Eu fiz e refiz 7 vezes. Era reprovado sempre pelos professores por causa da bibliografia. Meu sonho era apresentar o título: Surdos-Mudos, por causa da história dos surdos que eram considerados mudos, do contexto da época passada, etc. Não consegui documentar muitos autores e livros, pois a maioria eram estrangeiros, em inglês, difícil de traduzir e então resolvi mudar o título para: Surdos – Uma Abordagem Brasileira, Historiográfica e Cultural. Fiz resumo básico, mas tive dificuldade com a leitura de vários livros e autores.

Pergunta 10: Que livros que foram importantes em sua vida você recomenda para os visitantes do Blog?
Antônio: O primeiro livro que li foi “Até onde vai O SURDO” O autor é surdo, Jorge Sérgio L. Guimarães, Rio de Janeiro - 1961. Fiquei admirado com a história do Universitário que era surdo e estudou universidade, mas Porque não fazer o serviço Militar?. Eu gostei muito e também de outros livros como “O Vôo da Gaivota” e outros 66 livros sobre surdo que tenho em casa! Agora por último li o livro da Sra. Karin Strobel, surda, com o título “As imagens do outro sobre a Cultura Surda”. Este eu indico porque mostra a sociedade surda, seus valores e sua identidade. Também reflete quanto à forma da sociedade vê o sujeito surdo. É uma boa leitura.

Pergunta 11: Que tipo de serviços você presta na FENEIS e nas Associações de surdos?
Antônio: Fui presidente da FENEIS e participei de diversas Associações dos Surdos e Federação Desportiva dos Surdos, Confederação Brasileira Desportivo de Surdos e membro –Board WFD – Federação Mundial de Surdos. Atualmente sou Diretor Financeiro da FENEIS Minas Gerais. Aqueles que desejam conhecer melhor nosso trabalho, podem visitar o site da FENEIS: http://www.feneis.org.br/ e procurar o Relatório Anual de 1987 à 2007.

Pergunta 12: Quais são seus planos para 2009?
Antônio: Continuar fomentando o trabalho dos surdos, sua língua, sua identidade. Pretendemos organizar Seminário, Congressos, passeatas dos Surdos comemorando o Dia dos Surdos e Dia da LIBRAS (abril/setembro). Promoveremos Debates, Seminários sobre o “SER SURDO” e participar da Conferência Internacional de História dos Surdos, que acontecerá na Suécia. Temos muitos planos para 2008! Estamos avaliando as propostas e organizando os projetos!

Pergunta 13: Como os interessados podem entrar em contato com você?
Antônio: Através de e-mail:
feneis@terra.com.br
alemaolibras@yahoo.com.br
abreulibras@hotmail.com
e por FAX: (31) 3225-0088

Por favor, deixe uma mensagem para os leitores do Blog Vendo Vozes....
Parabenizo a iniciativa do Vendo Vozes que através do Blog abriu espaço para divulgarmos e informarmos aos leitores um pouco mais sobre nossa cultura surda. Para aqueles que desejam aprofundar no assunto, ou conhecer melhor o mundo dos surdos, não deixem de entrar em contanto enviando e-mails. Fico feliz em saber que um número cada vez maior de pessoas tem buscado informações sobre a pessoa surda, sobre a LIBRAS. Desejo a todos uma boa leitura! Antônio Campos de Abreu



Abaixo, algumas fotos de Antônio e sua linda família!

Obrigada, Antônio, pela atenção e por ser um grande exemplo pra todos!

Se você quiser sugerir alguém para ser entrevistado pelo Blog, ou gostaria de participar, escreva abaixo em "comentários". Abraço a todos e ótima semana! Vanessa