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25 de jan. de 2008

Entrevista exclusiva: Shirley Vilhalva


É com grande prazer que publico uma entrevista excluiva do Blog Vendo Vozes à Shirley Vilhalva. Ela é surda, formada em Pedagogia, com Pós graduação em Metodologia de Ensino e cursa Mestrado em Lingüística na UFSC onde tem o projeto Índio Surdo. Foi diretora de Escola Estadual de Surdos - CEADA, segunda vice presidente da FENEIS e Conselheira do CONADE. Atualmente, atua como Professora Tutora do Pólo UFSC.

Pergunta: Onde você nasceu e como foi sua infância?

Shirley: Eu nasci em Campo Grande – Mato Grosso do Sul, no meu olhar hoje, digo que, minha infância foi cheia de descobertas e desafios cotidianos, mais uma aventura lingüística do que social. Como criança convivendo com três línguas em casa sem saber quais línguas era me fez apenas ver a diferença através da articulação de quem falava. Posso dizer que tive uma infância disciplinada e com muita dedicação familiar para que pudesse atravessar a trajetória da vida com mais motivação ao encontro com os outros num mundo desconhecido.

Pergunta: O que motivou a sua surdez?

Shirley: Minha surdez é hereditária. Em grau de surdez poderia dizer que minha surdez é neurossensorial, bilateral, severa e profunda. Tenho nove familiares surdos entre primos.

Pergunta: Como foi sua educação? Em que tipo de escola estudou?

Shirley: Minha educação iniciou com professor particular e seguiu por muito tempo numa sistemática de aprendizagem da língua escrita, a minha professora deu ênfase mais na escrita sem cobrança da fala, alguns relatos comentei em meu livro que demorava entender o conceito das coisas. Estudei em escola regular e sempre tive apoio de minha irmã Ângela (hoje ela é mãe de surdo) na sala de aula como se fosse minha intérprete, só que era em leitura de palavras faladas, a conhecida leitura labial. Ela me colocava a par de tudo que estava acontecendo na sala. Hoje comparo com o trabalho do intérprete da Libras.
Relato que mesmo estudando em escola regular, meu sonho sempre foi estudar em escola de surdo, onde eu não seria surda porque estaria com meus pares, os surdos iguais a mim.
Só consegui ir para uma escola de surdo quando fui aceita como estagiária do magistério. Foi uma realização, nasci neste momento e comecei nova vida.

Pergunta: Como foi sua descoberta sobre a surdez e o primeiro contato com a Língua de Sinais?

Shirley: A suspeita de minha surdez foi indicada pela minha tia Carmem que é professora e hoje tem um neto surdo. A descoberta não posso te falar muito, pois estava no “chiqueirinho” e não recordo da situação de como foi o impacto. A busca eterna da cura posso dizer que é desgastante, pois a família sofre em buscando nas igrejas, nas curandeiras, nas benzedeiras, nas promessas, nos médicos, nas vizinhanças e ainda por cima uma choradeira que não acaba mais, quando chegava visita e tinha que explicar que eu não falava e nem ouvia...um tal de coitadinha daqui e dali, coisas que hoje vejo que continuam ainda em outros lares.

Pergunta: Como surgiu a idéia de publicar o livro “Despertar do Silêncio”, e como foi a criação dele?

Shirley: A idéia de publicar o livro foi realmente deixar registrado uma fase de minha vida que estava encerrando. Busquei em meu diário o que gostaria que as pessoas soubessem e mostrei também que já tinha novas metas para seguir. Escrevi o livro quando deixei a direção da escola de surdos em Campo Grande e fui trabalhar como Técnica Pedagógica na Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul. Terminando uma trajetória como diretora de escola de surdos e segui para o Projeto índio Surdo o qual estou buscando contato desde 1991 visitando aldeias indígenas como você conferiu na página 44 do livro no site da editora Arara Azul (http://www.editora-arara-azul.com.br/pdf/livro1.pdf)

Pergunta: Como decidiu se tornar professora?

Shirley: Vem de longa data, pois sempre tive um sonho de ser professora de surdos, sempre quis ser palestrante e também almejava que um dia pudesse ser escritora e pesquisadora, sucessivamente. Digo aos meus alunos e alunas que sou A PROFESSORA, com muito orgulho, pois acredito que o professor e professora são considerado(a)s como um nobre guerreiro que tem mais influência que um político na vida das pessoas que passam pelo menos 200 dias letivos em contato direto. Eu tive excelentes professores que hoje são meus colegas de trabalho e tenho honra de dizer o que cada um me motivou, sim tem as dificuldades, mas são menores quando temos um nobre professor ou professora fazendo o alicerce em nossa vida.

Pergunta: Como foi o ingresso na Universidade? Quais as principais dificuldades que encontrou nesse período?

Shirley: Fiz vários vestibulares, pois não tinha intérpretes na época e nem Letras Libras como temos hoje. Dei muito trabalho para os professores e tivemos que negociar com o grupo de colegas que não era possível muita troca porque dificultava a minha compreensão, tive um único grupo e por incrível que pareça éramos apoio um para o outro. Eu sempre fui copista e na faculdade era assim também, pois não dava tempo de ler a boca do professor e escrever o que ele ditava. Então enquanto a colega ouvia e escrevia eu copiava simultaneamente e somente depois procurava ler para entender o que se referia o assunto em parte. Foi nesta época que iniciei os Cursos de Libras dentro da Faculdade que hoje é a UCBD.

Pergunta: Em sua opinião como professora, qual a importância dos professores surdos nas escolas especiais para surdos?

Shirley: É muito importante, como eu não tinha professor surdo e era a professora dos alunos surdos sentia muita falta, adquiri isso quando fui participar na CBDS e na FENEIS encontrei apoio e incentivo de surdos líderes como Antonio Campos, como falo a língua portuguesa isso às vezes era um entrave na comunicação e aceitação em 1986. Hoje os surdos mais politizados têm aceitado melhor os surdos falantes da língua portuguesa oral.

Pergunta: Sendo do MS, como você decidiu ir para a UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina)?

Shirley: Eu tentei mestrado na UFMS e não fui aprovada, escrevi ao MEC quais eram meus direitos por ser a única pessoa surda da seleção e recorrer, o MEC respondeu não tem amparo legal, faça as provas na UFSC que está mais habilitada em atender os mestrando e doutorandos surdos neste momento. Dando esperança que outras universidades abrissem as portas também, como aconteceu na UFBA. Não somente essas universidades abriram as portas, mas estou referindo de minha trajetória.

Pergunta: Como é seu projeto de mestrado em Lingüística Aplicada na UFSC, já existem alguns resultados de sua pesquisa que possam ser compartilhados conosco?

Shirley: Estou trabalhando com direcionamento para o mapeamento das línguas de sinais emergentes das comunidades/reservas indígenas do Mato Grosso do Sul, não é um assunto muito fácil, pois estou conquistando espaço e lideranças para poder ter mais acesso nas escolas indígenas e nas comunidades. O que posso dizer que inicialmente eu tinha uma idéia que você poderá acompanhar através do anexo da revista RVCSD (http://www.editora-arara-azul.com.br/revista/01/compar5.php). Ainda não tenho resultado como gostaria. Tenho vários caminhos a percorrer.

Pergunta: Como surgiu seu interesse pelos surdos indígenas (ou indígenas surdos)?

Shirley: Posso dizer que em 1987 via o Antonio Campos hoje Professor formado em História fazer palestra em Libras e aparecia nas transparências: Onde estão os Índios Surdos?
Nessa época eu não levava a sério, em 1991 veio a oportunidade de conhecer os Xavantes em Mato Grosso junto com outra militante surda e escritora, a Ronise Conceição de Oliveira e em 2002 em uma reunião da Feneis em Belo Horizonte que estávamos tratando sobre implantação o CAS, Antonio Campos apontou e disse: Chegou a sua hora, você está na Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul coloque em prática o Projeto Índio Surdos sem demora. Assim voltei e comecei ir para o interior conquistar as secretarias municipais, já que estas que têm acesso nas comunidades indígenas onde ficam as escolas indígenas e tem carro para nos levar já que às vezes é de difícil acesso. Tudo foi uma negociação. Ir para aldeia de dia e à noite dar palestra para professores sobre Educação de Surdos, Libras, Orientações Familiares em contrapartida, na verdade eu fazia qualquer negócio no sentido de poder ir para as aldeias. No Acre tive apoio da Helena Sperotto do CAS/AC e sua equipe buscando apoio com a Secretaria Estadual de Educação do Acre quanto ao táxi aéreo, carro e barco. Sobre como vamos denominar os índios surdos ou os surdos indígenas ou indígenas surdos, isso só vamos saber depois da Roda de Conversa que teremos como um primeiro encontro de índios surdos em Dourados previsto para este ano. Na verdade Índios têm uma etnia, agora pensando em uma posição de ser surdos, tem alguns colegas que dizem, por exemplo, Surdo + a etnia por exemplo: Surdo Guarani, Surdo Terena, Surdo Kadwéu, Surdo Kaxinawá e outros dizem como você disse acima, como eu disse apenas alguns exemplos. Esse é um comentário que vamos colocar em discusão com as autoridades que são os próprios índios surdos em encontro previsto em Dourados – MS.

Pergunta: Para aqueles que querem desenvolver estudos na área de Estudos Surdos, Línguas de Sinais, Educação de surdos, quais conselhos você daria? Quais áreas são promissoras para a pesquisa atualmente?

Shirley: Minha mensagem é: Todas as áreas são promissoras, desde que veja no ponto de necessidade de quem espera. Digo que os surdos esperam, os ouvintes esperam, os índios esperam, os surdocegos esperam e os demais deficientes esperam, esperam o que? Esperam a educação de qualidade, bom atendimento na saúde, abrangência no mercado de trabalho e de modo geral que haja acessibilidade em todas as áreas. O surdo é um novo surdo depois da Lei 10.436/2002, mais pensante no sentido de estar mais atuante depois do Decreto 5.626/2005, não continue pensando que os surdos continuarão os mesmos que a geração passada, que passaram pelos profissionais ouvintes fora da tecnologia. Começando por aí podemos pensar que o campo promissor hoje é a área da educação de surdos, da tecnologia, a educação a distancia, a lingüística que vem com futuros profissionais que sairão formados pelo Letras Libras. Os profissionais surdos e ouvintes agora poderão dizer, estaremos falando na mesma língua. Isso é se forem professores de Libras, mesmo que a prioridade seja para os profissionais surdos, pois se trata de ensino de uma língua e não de quem ouve mais ou ouve menos, a Libras é visual, não importa os ouvidos. Na minha percepção, aponta para muitos ganhos tanto para os surdos como para os ouvintes, o que será necessário é ter uma boa articulação e interação de ambas as partes. O mesmo que acontece na área indígena, se não houver uma boa negociação política os dois perdem, perdem tempo, perdem vida e fazem muitos esperarem.

Pergunta: Que bibliografia básica você indica para quem se interessa pelo tema?

Shirley: Eu indico para inicío de conversa os links:
Para quem atua com surdos:
Dificuldade de Comunicação e Sinalização – Surdez
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/surdez.pdf

Livros da Editora Arara Azul que são gratuitos e disponíveis na internet:

http://www.editora-arara-azul.com.br/EstudosSurdos.php
http://www.editora-arara-azul.com.br/Livros.php

E ainda para quem quer comparar o desempenho do educador que atuou antes da Lei 10.436/2002 e o Decreto 5626/2005 os livros do INES é uma boa pedida para rir do que já fizemos, não digo que tudo será descartado tem muitas coisas que ainda estão no processo, veja em:
www.ines.org.br – livros digitalizados e para quem atua com surdocegos
Dificuldade de Comunicação e Sinalização – Surdocegueira/Múltipla Deficiência Sensorial
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/surdosegueira.pdf

Obs: caso não consiga pelo link direto coloque na barra.

Pergunta: Quais seus planos pra 2008?

Shirley: Meus planos são visitar mais aldeias e conversar com as lideranças indígenas para autorizarem a atuação do Projeto Índio Surdo em sua escola indígena com objetivo de mapeamento das línguas de sinais emergentes das comunidades/reservas indígenas. Lembrando que temos um trabalho brilhante de Marisa Giroletti com os surdos Kaingang de Xanxerê aqui em Santa Catarina. Boa dica para os novos pesquisadores.

Pergunta: Como os interessados podem entrar em contato com você e com seus trabalhos publicados?

Shirley: Poderão entrar em contato pelos meus e-mails:
Shivi323@hotmail.com e svilhalva@yahoo.com.br

Segue meu último artigo: “Quais são as produções acadêmicas sobre índios surdos no Brasil?
http://www.cfh.ufsc.br/abho4sul/pdf/Shirley%20Vilhalva.pdf 24/01/2008

Pergunta: Por favor, deixe uma mensagem para os leitores do Blog Vendo Vozes.

Shirley: Deixo aqui que retirei de meu livreto de mensagens que me ajudaram no meu dia a dia que ainda não foi publicado estas singelas palavras para o Blog Vendo Vozes:
“Mesmo que você não queira liderar algo, saiba ensinar aquele que deseja. Não tema a concorrência, olhe para o céu e veja se tem um lugarzinho ainda para você no meio das estrelas. Viu quanto espaço você tem? Sucessos!”(Shirley Vilhalva)


Links relacionados:
Currículo Lattes de Shirley Vilhalva
Editora Arara Azul
Para baixar a entrevista em arquivo PDF clique aqui!!!

O que você achou da entrevista? Quem você gostaria que fosse entrevistado por esse blog? Comente no link "comentários" logo abaixo.
Abraços,
Vanessa.